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Este texto foi redigido pelo Psicólogo Rodrigo M. Giovanetti por solicitação da repórter Bárbara Filiagi da Revista Blow Up sobre o tema SEXO VIRTUAL respondendo às seguintes questões:

Sexo Virtual pode ser considerado uma atitude saudável? Pode-se considerar o sexo virtual como traição? 

 

Penso que a sociedade atual vive num momento muitopeculiar em consequência da evolução sócio-histórica das políticas econômicasglobais. Refiro-me à "famosa" frase que se utiliza sobre"sociedade perversa".

Ouvi isso outro dia num comentário televisivo sobrealguma dessas catástrofes famosas que foram notícias dos telejornais. A questãosócio-político-econômica mundial precisaria de outro espaço para se refletir sobre.

Por início, basta saber que o contemporâneo apresentaalgumas características, como a liquidez dos processos sociais, que implica naausência de estrutura básica social e consequente impossibilidade defavorecimento da organização psíquica e a hiperrealidade, baseada nos"links" e "clicks" virtuais e nos"fast-qualquer-coisa", que têm por meta a satisfação imediata.

Tudo isso contribui para a construção de relaçõesindividualistas (e não individuais) e um certo fetiche pelo narcisismo: a buscade um corpo perfeito, de ideais de moda e de conquistas financeiras quetransformam os valores humanos.

Eis a sociedade investida narcisicamente. O individual, asolidão, o egocentrismo, o poder, o status, a fama, a força predominam diantedo coletivo, dos acordos sociais.

Mas, sobre essa frase em específico "sociedadeperversa", pensei sobre a internet e os relacionamentos virtuais.

Claro que existe sim uma perversidade em diversassituações de violência e catástrofe urbana, mas precisamos refletir sobre a perversidade de uma ferramenta que se transformou em um meio de relacionamentomuito comum.

Claro que é mais fácil para a mídia focar nas catástrofes.

Para todos é mais fácil focar nos eventos externos que nas práticas cotidianas pequenas.

Também temos que nos despir de preconceitos e algumasidealizações da internet para pensarmos melhor sobre esse tema.

A primeira pergunta, se é uma atitude saudável ou não, acho difícil uma resposta tão genérica, afinal, a subjetividade não se constrói em termos estatísticos. Saudável ou não de qual ponto de vista?

Olha, muitas vezes é a única possibilidade de relacionamento para alguém, o virtual. Para outros, é um vício.

Vejo isso nos pacientes que atendo. Alguns necessitam de relacionamentos virtuais, pois estão impossibilitados de se relacionarem de outro modo.

Já em alguns casos, assume o caráter de vício, uma droga que reflete a necessidade de gratificação, de um prazer, aliás, de um gozo impossível. (Utilizo-me do termo gozo tal qual Lacan sugere: uma descarga pulsional total em direção a um prazer impossível e a uma satisfação completa).

Acho que é isso que acontece na busca de relacionamentos virtuais: a necessidade de uma satisfação imediata, completa e plena, em substituição aos relacionamentos pessoais, que exigem a elaboração da frustração constante das vivências de insatisfação que o relacionamento com o outro impõe.

Podemos, então, pensar sobre a necessidade de relacionamentos virtuais e as possíveis vicissitudes dos mesmos, em vez de tentar saber se é saudável ou não.

A internet assumiu um valor peculiar: um valor de descarga e gratificação imediata das ansiedades. Tudo é imediatamente resolvível: encontram-se sexo virtual, pessoas virtuais, até personalidades virtuais também. Um "second life".

Agora, pergunto: por que se precisa de um "secondlife"?

Sei que podemos pensar uma visão utilitarista da internete dos relacionamentos virtuais, mas acho que eles assumem um valor para "além do princípio do prazer", como escreveu Freud.

Sim, digo que a dimensão dos relacionamentos virtuais é de um valor destrutivo!

Não julgo dizendo ser errado.

Somente apresento essa dimensão, que é a da promessa de uma gratificação imediata, de uma satisfação plena. Mas, já sabemos que a realidade impõe ao ser humano as limitações desse tipo de promessa.

E onde está a realidade?

Em que consiste a realidade?

Eminentemente nas relações psicossociais.

Isso mesmo! A realidade é construída num ambiente psicossocial de relações de trocas cotidianas.

Trocas afetivas, sociais, etc.

E é uma realidade que frustra por natureza.

 Porque a realidade das relações psicossociais não fornece todas as gratificações que o ser humano pensa necessitar. Frustra! Já as relações de internet, pelas características próprias da virtualidade que já listei, transformou-se numa fuga para a realidade cotidiana, ou seja, uma fuga das frustrações.

Mas quais frustrações? Não seriam aquelas relacionadas à uma busca desmedida de uma satisfação que está além do princípio do prazer? Um prazer tão desmedido que é capaz de destruir o corpo e a vida cotidiana?

Veja as patologias que estão inscritas no corpo pelo excesso que a virtualidade promove: sedentarismo e consequente obesidade, dores lombares, dores oculares, mal-estar geral, vício, isolamento social etc. Porisso, a internet e seu uso necessitam de um limite. Não é nociva se utilizada com racionalidade.

O sexo virtual assume todas essas características da internet.

O prazer de uma relação sexual pessoal também tem limites.

Será que a promessa da internet é a mesma para o sexo? Será que é uma promessa verdadeira?

Sobre a traição virtual; bem além de todas as considerações acima, ainda assim generalizo: toda traição é a traição de si próprio, de seus sonhos, de suas vontades, de suas perspectivas. A traição virtual, seja ela de qualquer forma, implica no mesmo princípio.

 

Bom, essa é uma introdução sobre o assunto...

 

Texto redigido por: Me. Rodrigo M. Giovanetti CRP.: 06/69455 - Psicólogo Clínico, Mestre em Saúde Pública/USP, Especialização em Psicanálise/CEP.

Coordenador do CAPS infanto-juvenil de Taboão da Serra, Psicólogo Associado do CEAAP realizando atendimentos clínicos a adolescentes e adultos, supervisão e psicoterapia para psicólogos na abordagem psicanalítica.