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Resumo:

A terapia sexual, desenvolveu-se mais expressivamente a partir de 1960, com as pesquisas de W. Masters, médico e V. Johnson, psicóloga; Suas propostas foram, posteriormente, na década de 70, enriquecidas com os trabalhos de sistematização de Helen S. Kaplan; esta modalidade terapêutica é ainda pouco divulgada, sendo freqüentemente reconhecida, de forma equivocada, como conjunto de técnicas que objetivam a redução ou eliminação de sintomas; entretanto, sua abrangência transcende em muito esta concepção.

Trata-se de uma terapia focal, breve, e não se propõe a agir unicamente sobre a disfunção sexual, por entender-se, como revelam várias pesquisas, que as dificuldades relacionadas ao exercício da sexualidade estão, muito freqüentemente, associadas a conflitos psíquicos, a pressões sociais e familiares, a preconceitos e concepções excessivamente rígidas que cercam o campo da sexualidade humana. Ao terapeuta sexual cabe, portanto, considerar as condições de vida que cercam, sustentam ou favorecem a instalação da disfunção. Deverá ele ter, ainda, a clareza e o conhecimento necessário para identificar aqueles casos que poderão ter remissão em menor número de sessões, estabelecendo qual a melhor abordagem do caso, em benefício do cliente, e quais aqueles outros que demandam outra modalidade de tratamento, como a psicoterapia convencional, seja ela individual, familiar ou de casal

Palavras chave: Terapia sexual; terapeuta; sexualidade.

Introdução:

Nos últimos 70 anos, aproximadamente, foram desenvolvidas muitas formas de tratamento, no âmbito da Psicologia, que se propunham a abreviar os processos psicoterápicos. Sobretudo após o término da Segunda Guerra Mundial foi necessário, como contribuição à readaptação dos soldados que regressavam da guerra, nos EUA e à reorganização de milhares de famílias cujos homens não voltaram da guerra ou voltaram com graves mutilações, o desenvolvimento de novas abordagens que diminuíam o tempo necessário ao tratamento psicológico. Mais recentemente, teóricos preocupados com a demora em atender pessoas em instituições dedicaram-se a criar, testar e avaliar novas formas de atendimento mais rentáveis e menos demoradas, grupalizando os atendimentos , intervindo em processos diagnósticos , distanciando-se da forma clássica dos atendimentos psicológicos, mas mantendo-se fiel ao princípio de favorecer melhor qualidade de vida aos clientes que demandavam pelo atendimento psicológico. Desta forma, não podemos considerar que W. Masters, V. Johnson e Hellen Kaplan (1977,1984), com suas preciosas contribuições no campo da Terapia Sexual tenham sido vozes solitárias que surgiram subitamente, com propostas que estavam divorciadas do movimento global da psicologia. Seus trabalhos destacaram-se por apresentar propostas bastante diretas, com técnicas muito bem definidas, que se mostram, até hoje, elementos valiosos para a terapia de indivíduos que apresentam disfunções sexuais.

O foco da terapia sexual:

Os defensores da Terapia Breve argumentam que o próprio Freud, em sua fase inicial, entre 1883 e 1896 usava recursos que hoje consideraríamos como "pouco ortodoxos" do ponto de vista da psicanálise; segundo Guilliéron (1986), Ferenczi, por volta de 1920, considerava útil que o terapeuta tivesse uma postura mais ativa, que ele denominou como "técnica ativa", de forma a evitar tratamentos tão longos. Gilliéron (1986, 7) nos diz que:

"As psicoterapias breves são tratamentos de natureza psicológica cuja duração é largamente inferior à de uma psicanálise clássica...Esse não é uma dado sem importância, na medida em que numerosas formas de psicoterapias que não têm mais nenhuma relação com a psicanálise são chamadas 'breves'....Se acrescentarmos o vocábulo 'breve' a essas formas de terapia é porque seus autores desejam distingui-las da 'psicanálise longa', sem no entanto se referirem à teoria psicanalítica."

Encontramos, contudo, em Kaplan (1984, 4), referências que incluem várias modalidades de psicoterapia, incluindo aí as analíticas, familiares, de casal e comportamentais , acrescentando que:

"A terapia sexual pode empregar todas essas várias formas de intervenção psicoterapêutica, as quais são praticadas no consultório do clínico. Porém, na terapia sexual essas variedades são utilizadas em conjunção com a prescrição de tarefas sexuais que o casal pratica na privacidade de seu quarto. É o emprego integrado de experiências eróticas sistematicamente estruturadas, juntamente com a exploração psicoterapêutica dos conflitos intrapsíquicos de cada parceiro, assim como da dinâmica sutil de suas interações - é essa integração que constitui o traço característico e o conceito básico da terapia sexual. Com toda probabilidade, a chave de sua eficácia está na confluência dos modos experienciais e dinâmicos."

Aderimos ao pensamento exposto por Gilliéron, ao afirmarmos que a terapia sexual não pode se confundir com as psicoterapias breves de origem psicanalítica, mas por outro lado defendemos a posição que se trata de uma terapia breve, por ser focal, face-a-face e trabalhar com prazos aproximadamente pré-determinados.

Passaremos, então, a apoiar-nos neste princípio: a terapia sexual é breve, focal, mas não se apóia sobre uma única abordagem; permite que o terapeuta faça uso dos conhecimentos advindos de diferentes abordagens e teorias terapêuticas, como a Terapia Cognitiva-comportamental, o Psicodrama, a Gestalt-terapia, a Bioenergética, Psicodinâmica e outras.

A Psicoterapia e a Terapia Sexual: diferenças e semelhanças:

A Terapia Sexual não deve se confundir com a psicoterapia; no processo de terapia sexual, o terapeuta deverá estar ciente que se trata de um tratamento focal e breve, no qual poderá utilizar as técnicas propostas por Kaplan e ao mesmo tempo considerar e levar seu(s) cliente(s) a relevar os conflitos intrapsíquicos, os sentimentos e emoções que cercam a questão focalizada; podemos dizer que a terapia sexual é indicada quando há uma dificuldade do indivíduo em obter um desempenho sexual prazeroso para ele e para seu par, e que isto se coloca em primeiro plano no processo terapêutico que se institui. Desta forma, temos que considerar o indivíduo como um todo, no qual a sexualidade se configura como uma parte, mas que merece um destaque especial por ter sido, ao longo da história da civilização, alvo de preconceitos, crenças e toda sorte de considerações que envolvem o prazer físico, as emoções e a questão da procriação, assim como as noções de pecado e purificação.

"Embora nos concentremos na sexualidade, devemos também nos mostrar reativos à matriz psíquica maior, da qual o sexo é uma parte integrante e bonita." (Kaplan, 1984,7).

O terapeuta sexual deve deter um arsenal bastante complexo de elementos para realizar a árdua tarefa à qual se propõe, pois, além dos conhecimentos básicos e fundamentais inerentes à prática clínica, deverá ter desenvolvido outras habilidades e conhecimentos específicos em curso de formação de especialista na área. Como se sabe, os cursos de graduação não podem oferecer o aprofundamento necessário e compatível com as diferentes escolhas dos profissionais, devido ao abrangente leque de possibilidades. É esta a justificativa que sustenta o grande número de cursos de pós-graduação criados para atender às necessidades de diversas profissões. Os cursos de formação de terapeutas sexuais ainda são em pequeno número, no Brasil, mas já encontramos alguns atendendo aos requisitos legais, cuja duração varia entre 360 e 500 horas, geralmente se desenvolvendo em 18 ou 24 meses.

Os cursos deverão propiciar ao terapeuta sexual instrumentos para que ele possa, satisfatoriamente, desempenhar as atividades relacionadas à sua prática.

O diagnóstico acurado da disfunção sexual de seu cliente e também de seu parceiro, é fundamental, pois muitas vezes se atribui a um dos elementos uma dificuldade que, na verdade, acoberta a disfunção do outro membro sexualmente envolvido. Para isto, é necessário, além de conhecer muito bem as características de cada uma das disfunções, estar atento ao discurso que se apresenta, às possíveis falhas e deslizes de linguagem, à dinâmica do par. Encontramos muito freqüentemente, quadros complementares, o que acarretará dificuldades para o tratamento, considerando-se que será necessário desequilibrar a dinâmica estabelecida e trabalhar no sentido de estabelecer-se um novo equilíbrio, mais funcional, para utilizar uma expressão da Terapia Sistêmica.

O terapeuta sexual deve estar familiarizado com uma abordagem com a qual se identifique, ou seja, a abordagem teórica de sua escolha, para que a use como background, como corpo teórico referencial que dê suporte à sua compreensão da dinâmica emocional subjacente à queixa sexual e oriente suas ações.

"...pacientes mais difíceis ainda são tratados pela terapia sexual, mas apenas se o terapeuta sexual estiver preparado para lidar com perturbações a um nível dinâmico mais profundo. O terapeuta deve estar familiarizado com a psicodinâmica dos conflitos inconscientes, e com as relações desses conflitos e a dificuldade sexual." (Kaplan, 1984,16).

É necessário, ainda, que o terapeuta conheça muito bem suas próprias interrogações e conflitos que envolvem a sexualidade, pois somente o contato íntimo com seus preconceitos e conflitos podem permitir-lhe um distanciamento do cliente, sem misturar-se com ele. Destacamos que não é necessário ser um 'super-homem' e ter todas as suas questões resolvidas, mas ao menos ter trabalhado suficientemente, em sua terapia pessoal, as questões relativas à sexualidade para identificá-las e não permitir que se interponham negativamente no tratamento.

O terapeuta sexual deve estar consciente das limitações de seu trabalho, de forma a poder identificar quais casos se apresentam com um prognóstico favorável e são indicados para a terapia sexual, e quais outros não se beneficiariam, ou se beneficiariam muito pouco dessa forma de trabalho e necessitam ser orientados e encaminhados a uma psicoterapia. Nestes casos podemos incluir os casos de depressão profunda, de paranóia, de indivíduos que desenvolveram formas de relacionamento com seus parceiros tão agressivas e carregadas de hostilidade, que necessitam, em primeiro plano, de tratar dos profundos conflitos pessoais ou do casal.

O domínio de técnicas e formas de intervenção próprios da terapia sexual são imprescindíveis ao terapeuta sexual, que deve ter desenvolvido a habilidade de identificar qual o momento terapêutico propício ao seu uso, bem como conhecer os recursos que poderá utilizar para contornar as dificuldades interpostas pelos clientes.

A especialidade em terapia sexual não deve ser entendida como um espaço de exclusão dos aspectos da clínica psicológica no que concerne ao tratamento dos conflitos psíquicos, mas, ao contrário, algo que os considera, os inclui, sem necessariamente colocá-los em destaque na cena do tratamento.

Para não deixarmos de discutir as questões da prática clínica, é necessário registrar que a tênue linha divisória entre a terapia sexual e a psicoterapia será mais facilmente delineada pelo terapeuta experiente ou que, na falta dessa experiência, se submeta a processos de supervisão que venham preencher essa lacuna. O cliente nem sempre se apercebe da diferenciação entre uma e outra prática, e caberá ao profissional diferenciar explicitar a ele os dois processos, para que o cliente possa optar, no contrato terapêutico, consciente do que pretende. Não se trata, obviamente, de apresentar à apreciação do cliente, como uma mercadoria, o processo de psicoterapia ou o da terapia sexual, mas sim de apresentar como indicação terapêutica, e saber se ele concorda com a indicação. Quando o terapeuta se considerar apto a realizar o processo terapêutico, após o encerramento da terapia sexual, ele poderá propor ao cliente a continuidade, sob uma nova óptica, e realizar então um novo contrato terapêutico.

Conclusões:

A terapia sexual tem sofrido um desenvolvimento científico acentuado nos últimos anos, mas possivelmente devido aos preconceitos que cercam a sexualidade, ela própria, essa importante modalidade de trabalho, é ainda vista com reservas por profissionais e até mesmo pelas pessoas que sofrem por não poderem usufruir de experiências sexuais plenamente satisfatórias. A sexualidade é, ainda, um tabu; desconsiderar a importância dos mitos e tabus relacionados à sexualidade nos conduziria a caminhos equivocados. Devemos ser conscientes das dificuldades inerentes a este trabalho, para que seja possível encontrar soluções satisfatórias. Ao terapeuta sexual compete conhecer profundamente as disfunções sexuais, o substrato orgânico da sexualidade, as bases psíquicas e suas interligações com o exercício da sexualidade e o contexto social no qual o indivíduo está inserido. O domínio de instrumentos que colaboram para a tarefa terapêutica é muito importante, mas deve ser complementado por uma visão holística do indivíduo. Compete ainda ao terapeuta sexual estar preparado para as dificuldades do trabalho, considerando que terapeuta e clientes estão imersos em uma cultura milenar de repressão da sexualidade.A formação do terapeuta sexual não se restringe, portanto, ao domínio de conhecimentos e de instrumentos técnicos, mas implica em uma abertura ampla para uma interlocução de cunho filosófico consigo mesmo, de um auto-conhecimento e de uma reflexão profunda sobre toda a questão da sexualidade.

Yara Monachesi - Psicóloga - CRP 06/0465 - Doutora em Psicologia Clínica - PUC/SP, Especialista em Terapia Sexual - ISEXP-SBRASH, Coordenadora Geral do AXIS - Núcleo de Sexualidade de S. J. do Rio Preto desde 2002.

Co-autora do livro " Psicodiagnóstico: processo de intervenção" Org. por Marília Ancona-Lopez, Ed. Cortez, S.Paulo, 1987 e Parceira do Ceaap como Terapeuta e Supervisora - E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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